Senhor
vereador, eleito com a contribuição do meu esquecido voto, meu nome é João
Ninguém, sou brasileiro, desempregado, analfabeto, mas tenho título de eleitor.
Sou pobre, miserável e pouca importa se
sou casado ou tenho uma casa pra morar, tenho vários filhos, fruto de minha
ignorância social, todos eles não freqüentam a escola e perambulam pela rua. Alguns
desses filhos ficam malandreando por não ter opções, seja no lazer ou no
esporte ou por não existir qualquer projeto social que possam orientá-los. Os
outros filhos ficam vagando, se prostituindo ou pedindo dinheiro para se
drogar. Não entendo nada de política, muito menos o que vocês falam no palanque
e na tribuna, mas percebo que nunca põem em prática o que prometem. Na verdade
a única coisa que me importa é o quanto vou ganhar a cada 2 em 2 anos no
período político, pois é quando posso me sentir importante, porque é nessa
época que todos me tratam bem, me cumprimentam na rua, querem saber como vai
minha família e aparentemente se sensibilizam com a minha condição.
Dessa forma
acho que não sou idiota. Para que vale mesmo um simples voto, pois tudo sempre
acaba da mesma forma, e eu, ora bolas? Eu, sempre lucro um dinheirinho, ou
então ganho um tijolinho, com muita sorte ganho o dinheirinho, o tijolinho e a
cesta básica. Sabe o que eu não entendo? No começo da campanha todos estão
juntos, abraçados e dividindo o mesmo pensamento político, depois o todo
poderoso prefeito “fecha a torneira”, pensa que não depende de ninguém, que não
sou eu, e passa a ser celebridade, olha que ele nem ganhou o um milhão do Big
brother! E assim tudo muda, esquece que estavam juntos, nem se olham, as
ofensas acontecem, as cobranças finalmente aparecem e a dúvida volta: Até
quando, a máscara caiu?
Nobre
vereador, que orgulho ter voltado em você; é o melhor vereador atuante na
tribuna! Meu nome é Zé Mané de Sempre, nem sou tão brasileiro, quero saber o
que vou ganhar com isso, o que me importa é estar “por cima da carne seca”,
lembra o quanto fiz campanha pra você? Eu sabia que conseguiria se eleger,
precisamos trabalhar para a sua reeleição! Tome cuidado com os boatos da rua, a
sociedade é invejosa, qualquer um quer o seu lugar, aparecerão vários “traíras”
afirmando ter votado em você só pra se beneficiar.
Quem será o presidente da
Câmara? Você não pode ficar de fora! Quais os benefícios e o salário de
vereador? Você precisa ser inteligente, não pode brigar abertamente com o
prefeito, porque ele é popular, tem uma boa aceitação e aprovação. Infelizmente
o povo estava sofrido e amedrontado com as desastrosas administrações passadas
e se contenta com o essencial, ou seja, ter seu salário pago em dia. Entretanto
não deixe de criticá-lo também, pois algumas camadas sociais percebem o descaso
e a ilusão de uma suposta “boa administração”, pois afinal de contas, nem todo
mundo é João Ninguém e nem besta! Poxa meu caro vereador, às vezes, mas só às
vezes, eu penso que você deveria ser coerente, por em prática seu discurso de
honestidade já que percebeu que a administração não é lá essas coisas todas,
que o prefeito não é compromissado com o povo e seus anseios, principalmente
porque você poderia ser o futuro prefeito. Já imaginou? Viu o quanto sou
inteligente?! Sei de tudo que acontece, tô vendo tudo, mas é melhor ser cego,
surdo e mudo!
Ilustríssimo
Senhor vereador, eleito pelo povo, para o exercício 2008-2012 de seu mandato,
eu Cidadão Itajuipense, brasileiro, solteiro, residente e domiciliado nesta
linda comarca, a qual tenho apreço e amor eterno, venho através desta,
manifestar o quanto me entristece ver a minha cidade querida abandonada, testemunhar
a degradação dos jovens diante das drogas, face a inércia do governante, o qual
conseguiu mudar todas as características inerentes a esta terra anteriormente
conhecida e respeitada no âmbito esportivo. Cidade que ficou conhecida ocupando
uma posição de destaque no turismo baiano devido as suas festas e datas
comemorativas tradicionais.
Eu faço parte de 10% dos munícipes, percentual que
a cada ano tem a tendência a diminuir, pois a educação municipal é uma
vergonha, a saúde é uma piada e a administração apenas é eficiente para apenas
um grupo, o qual encontra-se com situação financeira equilibrada contrastando
com a atual realidade da maioria. Queria falar que há muito tempo me encontrava
calado, observando, percebendo e me indignando com a acomodação popular.
Contudo jamais deixei de pensar, pois afinal faço parte da camada formadora de
opinião, mas que opinião? Sempre estive de “mãos atadas”, pois sou pouco, na
verdade não ameaço o cargo nem a soberania do executivo, minhas solicitações
jamais serão ouvidas, minha visão política é uma utopia, pois caso se esqueça,
ele é o todo poderoso.
Sabe vereador, eu não votei em você, mesmo assim
acompanho sua atuação, me encho de esperança com seu posicionamento atual, me
iludo com cada pronunciamento das assembléias realizadas nas quintas-feiras,
tento acreditar que agora vai, que as coisas vão melhorar, que o povo terá
acesso aos seus direitos e as verdades de seu município, mas diante de um
histórico cultural e hereditário do nosso sangue, acabo receoso com dramaturgia
final dessa peça teatral. O que posso pedir e acreditar, é que, no momento das
decisões não leve em consideração o povo, pois estamos cansados desse motivo
que na verdade jamais foi levado em conta, considere seus princípios, seus
filhos, seus pais, enfim... seu caráter familiar, sua formação como ser humano,
que honre seu mandato, levando em apreço o porquê de sua função e a
conseqüência de suas decisões para tantas outras vidas. Fique sereno consigo
mesmo, coloque sua cabeça tranquilamente no travesseiro e durma. Acima de tudo
olhe para seus familiares de cabeça erguida.
Perguntaram
ao Dalai Lama: “O que mais te surpreende na humanidade?”
E ele respondeu:
“Os homens... porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o
dinheiro para recuperar a saúde e a dignidade, pois pensam ansiosamente no
futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o
presente, nem o futuro... e morrem como se nunca tivessem vivido”.
Por: João Paulo Santana Silva
Advogado OAB/BA 25.158
Artigo públicado em 2010.